Pesquisas de intenção de voto sob o recorte do gênero cristalizam importância do papel das mulheres nas próximas eleições
Lydia Barros
lydiabarros.pe@dabr.com.br
Lydia Barros
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O Brasil vive mesmo de paradoxos: foi um dos primeiros países latino-americanos a conceder às mulheres o direito ao voto (1932), mas ocupa a nada lisonjeira 107º posição no ranking da representação feminina no parlamento, atrás dos países desenvolvidos, de quase todos os latino-americanos e de outras nações de língua portuguesa, a exemplo de Angola e Moçambique (ver quadro). Donas de 51% do eleitorado brasileiro, as mulheres têm duas representantes na corrida presidencial - Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV) - mas é um candidato quem, até o momento, vem se comunicando melhor com elas (a última pesquisa do Ibope confirmou o que outros institutos já tinham apontado: o tucano José Serra tem maior penetração junto ao eleitorado feminino). Mas para além das questões estruturais de campanha, que beneficiam um ou outro candidato, e das muitas águas que prometem rolar até outubro, as próximas eleições colocam na ordem do dia o debate, ainda subterrâneo, sobre a paridade de poder entre homens e mulheres no Brasil.
A divulgação das pesquisas de intenção de voto sob o recorte do gênero, certamente, é assunto tratado com seriedade pelos comandos de campanha dos candidatos com mais chances de suceder ao presidente Lula. Não por acaso, os números vêm servindo de combustível à campanha de José Serra, enquanto entre os partidários de Dilma, fundamentam o discurso "do preconceito de ser mulher no Brasil", como afirmou o presidente Lula, em entrevista aos Diários Associados (embora sem referir-se, especificamente, às pesquisas). Entre os especialistas, algumas hipóteses ajudam a explicar, pelo viés da ciência, o desempenho do candidato tucano junto às eleitoras. O cientista político e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Adriano Cerqueira, por exemplo, acredita que o cruzamento dos dados sobre a intenção de voto feminino e os números de avaliação do presidente Lula por gênero, com base na última pesquisa Datafolha, de 15 a 16 de abril (ver quadro), é revelador.
"Faltam pesquisas mais específicas para explorar uma eventual resistência à Dilma"
Adriano Cerqueira - Cientista político
"Faltam pesquisas mais específicas para explorar uma eventual resistência à Dilma pelo eleitorado feminino, mas a partir desses cruzamentos podemos levantar a hipótese de que, entre as mulheres, é maior a desaprovação ao presidente Lula, e isso influencia o eleitorado a ser mais resistente à candidatura Dilma", especula Cerqueira, relacionando a vantagem de 18 pontos percentuais de Serra sobre Dilma, na intenção de voto feminino (53% contra 35%), com os oito pontos percentuais que separam a desaprovação feminina ao governo (54%) da desaprovação masculina (46%). "Podemos considerar como hipóteses, ainda, o fato da imagem pública de Dilma estar em construção, como pessoa de gabinete que ela é (levando em conta o conservadorismo do eleitorado, talvez as mulheres não se vejam representadas por ela); e o desconhecimento do processo eleitoral por parte das mulheres", explica o cientista político, com base no cruzamento por sexo do conhecimento da candidatura apoiada pelo presidente (71% dos homens sabem; entre as mulheres, o percentual é de 51%).
Para Adriano Cerqueira, a imagem pública da candidata Marina Silva é mais "bem resolvida" do que a de Dilma, "que encontra dificuldades em conciliar a imagem de gerente e mulher". Marina, por sua vez, seria no imaginário feminino a confirmação da natureza, a protetora, a zeladora. O problema de Marina, diz Adriano, é a falta de estrutura partidária e espaço político. Para o especialista, o discurso de gênero pode funcionar nas campanhas, mas não basta ser mulher para progredir na política. "É preciso que as candidatas se legitimem por sua competência e trajetória política".
Pesquisas qualitativas realizadas nas últimas eleições pelo Núcleo de Estudos Eleitorais do Departamento de Ciências Políticas da UFPE, entretanto, dão indícios da complexidade da questão. Os dados apontam uma distinção entre a tendência de voto das mulheres de classes sociais mais populares e das mulheres das classes média e alta. "Há um preconceito muito arraigado entre as mulheres de baixa renda contra amulher que atua na política", afirma o cientista político Michel Zaidan. "Elas não enxergam nessas mulheres capacidades como as que percebem nos homens; há uma certa prevenção contra as mulheres, um freio. Já entre eleitoras das classes média e alta, essa percepção muda".
Segundo Zaidan, as eleitoras das classes C/D acreditam que a mulher só tem competência para atuar na esfera privada, já que elas administrariam "com o coração e não com a razão". Já nas classes média/alta, a formação acadêmica e o passado profissional são levados em conta. Essas mulheres considerariam o mundo da informação e não da tradição; a clivagem de gênero seria relativizada, não passaria pela divisão sexual do trabalho. "Acredito que a longo prazo essa tendência venha a mudar, mas é preciso que as pessoas tenham acesso à informação, à educação. O Brasil está evoluindo com as questões de gênero, mas o impacto dessas transformações na opinião pública leva tempo para ser sentido", diz Zaidan.
Elas no congresso ranking mundial
1º Ruanda /////////////////////////////////////////////////// 56,3%
4º Cuba ///////////////////////////////////// 43,2%
6º Argentina ///////////////////////////////// 41,6%
19º Equador ///////////////////////// 32,3%
31º Peru //////////////////// 27,5%
62º Venezuela //////// 18,6%
69º Bolívia ////16,9%
70º EUA //// 16,5%
79º Chile /// 15,0%
89º Paraguai // 12,5%
92º Uruguai // 12,1%
107º Brasil / 9,0%
Fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/05/02/politica3_0.asp |
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